
Numa paisagem francesa, famosa pela sua agricultura e pelo gado bovino Limousin, como poderemos melhor integrar as plantações florestais, de forma a beneficiar as comunidades locais, apoiar a biodiversidade e a resiliência climática, e fornecer materiais mais sustentáveis para a indústria da construção?
Em Setembro de 2022, a Plataforma New Generation Plantations (NGP) e a Task Force sobre floresta cultivada, da IUFRO, liderada pelo IEFC, realizaram uma viagem de estudo a Limousin, França. Organizada em colaboração com as organizações locais FCBA e France Douglas, reuniu mais de 60 participantes originários de França, Reino Unido e outros países europeus, incluindo representantes de empresas florestais, investigadores científicos, ONG e estudantes florestais.
A visita de três dias – a primeira da NGP na Europa continental – incluiu um workshop de um dia em Limoges, visitas a serrações locais e plantações de coníferas, uma sessão de diálogo com líderes comunitários locais, bem como a oportunidades de aprendizagem, reflexão e debate. Aqui, fornecemos o contexto para estes debates e resumimos alguns dos conhecimentos que recolhemos.
ANTECEDENTES
A França tem, aproximadamente, um terço de bosques, florestas e plantações. Como grande parte da Europa, o coberto arbóreo encontra-se em expansão, através de um misto de florestação activa e mudanças na gestão de terrenos rurais, uma vez que algumas explorações mais pequenas estão “abandonadas”. Nos últimos 30 anos, a área florestal europeia aumentou 9%, cobrindo 227 milhões de hectares – mais de um terço da superfície do continente.
A paisagem do Limousin é um mosaico de prados e florestas: carvalhos, castanheiros e pseudotsuga. Os povoamentos de pseudotsuga cobrem 90.000 hectares, ou cerca de 15% da área total de floresta. Foram estabelecidas no final da Segunda Guerra Mundial, numa época em que as terras agrícolas estavam a ser abandonadas e se verificava escassez de madeira. Estes povoamentos estão agora a ser cortados e replantados à medida que atingem a maturidade.
A região tem uma próspera indústria de serração. Guillaume Guerin, presidente da região metropolitana de Limoges, que participou na visita de estudo, falou da sua ambição de desenvolver a produção de madeira de alto valor. Tem-se verificado investimento no fabrico massivo de madeira para permitir a produção de vigas de madeira de grande dimensão (laminados colados) para construção. Estas podem ter até 40 metros de comprimento, limitados apenas pelo tamanho da fábrica.

PERGUNTAS
Os participantes na viagem de estudo trabalharam em conjunto para desenvolver uma série de questões-chave. Quando visitámos a serração e as plantações, levantámos estas questões com os nossos anfitriões. No último dia, trabalhámos juntos para tentar respondê-las com base no que tínhamos observado e ouvido, e nos nossos próprios conhecimentos e experiências.
1. Quais são as oportunidades e os constrangimentos de avançar para um sistema de coberto florestal mais contínuo?
2.Como assegurar um equilíbrio entre a propriedade privada e o benefício público?
3.Como podemos tornar as nossas florestas mais resistentes às alterações climáticas, e às pragas e doenças?
4.Como é que a indústria madeireira existente pode apoiar melhor as comunidades locais?
1. Quais são as oportunidades e os constrangimentos de avançar para um sistema de cobertura florestal mais contínuo?ry?
Os nossos participantes sentiram que não se trata de uma questão a preto e branco. Dentro da paisagem mais vasta, há oportunidades para uma série de sistemas de gestão florestal. A silvicultura de cobertura contínua pode ser mais apropriada em áreas com elevado valor paisagístico visual, enquanto que o corte e o repovoamento tradicionais podem funcionar em áreas menos visíveis, onde a produção económica é uma prioridade.
Uma questão recorrente foi a necessidade de melhor informação e comunicação para explicar por que razão as escolhas de gestão florestal são feitas. Isto pode incluir as razões para a utilização ou não de cobertura contínua, mas também o porquê da escolha de determinadas espécies. Os media digitais e disponibilização online da planificação podem ajudar os proprietários e gestores florestais a explicar estas escolhas.
O abate de árvores é frequentemente visto como prejudicial para a natureza, pelo que é importante comunicar que os locais de abate de árvores e de repovoamento podem fornecer um habitat importante para diferentes espécies de aves e borboletas. Os ornitólogos locais salientaram que os noitibós, por exemplo, têm preferência por clareiras e não sendo encontrados numa floresta de coberto contínuo.
O povoamento de pseudotsuga visitado foi gerido em rotações muito mais longas do que é típico, geralmente de mais de 60 anos, desde a plantação até à colheita, com dois ou três desbastes à medida que as árvores crescem e amadurecem. Em comparação, uma plantação típica de crescimento rápido terá uma rotação de 10-20 anos, com reduzido ou nenhum desbaste.
Um dos principais desafios que se apresenta é a necessidade de pensar e trabalhar à escala da paisagem, ao invés de uma floresta ou plantação individual. Numa paisagem com propriedade e gestão de terras diversificadas, aumenta a dificuldade de coordenação.
2.Como assegurar um equilíbrio entre a propriedade privada e o benefício público?
A comunicação foi novamente vista como uma questão-chave, com a necessidade de uma melhor explicação em torno das práticas de gestão florestal. As pessoas salientaram os desafios de explicar a procura do mercado de madeira e de como as florestas podem ser melhor geridas em termos de biodiversidade e carbono.
O planeamento florestal, a nível local e paisagístico, é importante para optimizar o fornecimento do benefício público, mas mais uma vez, isto pode ser um desafio numa paisagem com muitos proprietários de pequena propriedade florestal.
Alguns inquiridos consideraram que deveria existir um papel do governo na recompensa dos proprietários de florestas que proporcionam benefícios públicos, tais como o acesso ou a conservação da biodiversidade, e possivelmente também na tributação baseada no carbono. O Schémas Régionaux de Gestion Sylvicole (SRGS) desenvolvido pelo Centre National de la Propriété Forestière (CNPF) é pretende ajudar o governo a proporcionar benefícios públicos nas florestas privadas.
A tributação foi um ponto de discussão recorrente. De acordo com um interveniente local, enquanto que as serrações e os industriais de transformação da madeira pagam impostos localmente, o proprietário florestal paga geralmente um imposto mais baixo: um maior entendimento da relação entre proprietários florestais, serrações e governo local, e de como os impostos são cobrados e gastos localmente, poderia melhorar o benefício público e as relações comunitárias. A maioria das preocupações locais em torno da silvicultura das plantações na região prende-se com as mudanças físicas na floresta, devidas à de plantação e abate, mais o impacto do tráfego de madeira nas estradas rurais. Existem oportunidades de utilizar a tributação local, sobre a propriedade florestal ou sobre o a madeira, para apoiar os serviços e instalações locais?

3.Como podemos tornar as nossas florestas mais resistentes às alterações climáticas, a pragas e a doenças?
A diversidade nas florestas pode verificar-se a vários níveis – da paisagem global, do povoamento, ou até de uma parcela dentro desse povoamento. As pessoas opinaram que deveria existir floresta mais diversificada e mista, mas surgiu alguma discussão sobre a escala em que isto deveria ocorrer. Uma questão chave prendeu-se com como tornar o processo justo para os proprietários florestais com propriedades de menor área versus um proprietário de maior escala que poderia mais facilmente incorporar diversidade na sua plantação.
Algumas das opiniões aqui apresentadas incidiram sobre os compromissos entre a instalação de mais floresta mista utilizando a regeneração natural e a simplicidade relativa da gestão de floresta monoespecífica e equiénia.
Em França, a pseudotsuga é geralmente cultivada em rotações de 65 anos, o que torna esta espécie mais vulneráveis a pragas e doenças do que as culturas de curta rotação, como o eucalipto e a acácia.
Os sistemas florestais de coberto contínuo podem ser mais ou menos susceptíveis a pragas e doenças: as rotações mais longas aumentam a sua vulnerabilidade, enquanto que uma maior diversidade genética pode melhorar a sua resiliência. Comparando com as florestas naturais, a plantação florestal proporciona aos gestores florestais oportunidade de controlar vários factores que podem ajudar a reforçar a resiliência a longo prazo, num clima em rápida mudança.
A diversidade genética foi destacada como um factor importante considerando o presente aumento de pragas e doenças. Como podem os silvicultores locais adquirir mais e melhores sementes, de uma gama mais vasta de proveniências? Como podemos assegurar que a próxima rotação de árvores irá lidar melhor com o clima que esperamos em 2050 e posteriormente?
4.Como é que a indústria madeireira existente pode melhorar o apoio às comunidades locais?
Algumas destas questões e desafios são recorrentes sempre (e onde quer) que realizemos visitas de estudo para falar sobre a plantação florestal. Em muitos países, trata-se de plantações em grande escala pertencentes ou geridas por empresas multinacionais. Aqui, as plantações são muito mais pequenas, geralmente pertencentes a pessoas com ligações à região, e geridas principalmente por cooperativas. Não obstante, existem preocupações similares em relação à paisagem de Limousin.
Os nossos participantes foram muito claros quanto à necessidade de as indústrias florestais comunicarem melhor com as comunidades locais, assim como de se envolverem melhor em questões locais fundamentais, tais como o transporte da madeira e proporcionarem acesso a estruturas recreativas (acesso às florestas).
Existe, então, necessidade de comunicação sobre a gestão florestal, mas também sobre a utilização final da madeira. Segundo Julien Boutillon, da CoSylva, a capacidade de utilizar madeira local para fabricar vigas de lamelado colado, implica que 92% do valor dessa viga permanece na comunidade local. Se for utilizada madeira importada, esse valor torna-se inferior a 40%.
Realizámos a nossa reunião final no deslumbrante centro de natação de Aquapolis. O telhado do edifício é construído em vigas de lamelado colado de pseudotsuga. Estas foram fabricadas localmente e cultivadas localmente – possivelmente cortadas e trituradas por pessoas que nadam na piscina. Isto deve ser celebrado.

O PODER DA DIVERSIDADE
Muitas vezes, quando a NGP organiza uma visita de estudo para discutir plantações, visitamos grandes empresas que gerem milhares de hectares de plantações e florestas, geralmente centradas numa única grande fábrica ou instalação de processamento.
Na região de Limoges, observámos diversidade na propriedade florestal, e uma gama de serrações e instalações de processamento de madeira. Na floresta que visitámos, a gestão foi efectuada por uma cooperativa, Alliance Forêt Bois, que tem 43.000 membros proprietários florestais em toda a França. Estes tipos de propriedade e modelos de gestão são frequentemente citados como tendo melhores resultados, tanto social como ambientalmente. Uma propriedade florestal mais diversificada significa, geralmente, objectivos florestais mais diversificados e, por conseguinte, florestas e bosques mais diversificados.
A BIOECONOMIA E O NOVO PACTO ECOLÓGICO EUROPEU
A necessidade urgente de responder à questão das emissões de carbono, particularmente no sector da construção e embalagem, irá conduzir ao aumento da procura de madeira para substituir materiais de alta energia, tais como o betão, o plástico e o aço. Em Limousin, foi possível observar exemplos fantásticos da construção moderna em madeira – mas é necessário um maior apoio político para ajudar a desbloquear o seu potencial.
O Pacto Ecológico Europeu Europeu foi concebido para melhorar o bem-estar e a saúde dos cidadãos, e das gerações futuras, abordando uma série de desafios sociais e ambientais. Mas a bioeconomia florestal está, em grande parte, ausente, de acordo com o exposto pelos participantes de um recente webinar do Instituto Florestal Europeu. Os oradores nesse evento salientaram a importância de uma bioeconomia florestal para o cumprimento dos objectivos de neutralidade climática e de conservação do Pacto Ecológico Europeu.
COMUNICAÇÃO
A necessidade de melhor comunicação foi levantada por muitas pessoas – um apelo habitual nas visitas de estudo da NGP. Havia um sentimento geral de que a indústria florestal precisa de explicar melhor o que faz, porque o faz e os benefícios de produzir mais madeira.
Precisamos de ser melhores a mostrar as ligações entre as oportunidades do aumento de utilização de madeira na construção, e as escolhas de gestão na floresta. Por exemplo, Julien Boutillon, da CoSylva, disse que para fazer as suas gigantescas vigas de lamelado colado, necessita de “madeira homogénea” – como podemos equilibrar isso com um desejo mais amplo de florestas heterogéneas?
Com esta visita de estudo destacou-se a necessidade de organizações industriais como France Douglas e Alliance Forêt Bois, que invistam em melhor marketing e comunicação. Apresenta-se também uma oportunidade para arquitectos e outros envolvidos em edifícios, como o Aquapolis, para se tornarem “campeões da madeira”, partilhando a mensagem sobre construção com baixo teor em carbono.
Estes são desafios similares em todo o mundo, e sobre os quais a NGP tem vindo a discutir há muitos anos. Temos de melhorar a comunicação sobre os compromissos, entre a necessidade de madeira e fibra, e a urgência em descarbonizar as nossas economias, com uma aspiração por florestas e plantações mais “selvagens”. A nossa viagem a Limousin demonstrou que já temos algumas das respostas às nossas perguntas, mas que teremos de melhorar a nossa capacidade de ouvir e comunicar com um público mais vasto.
www.newgenerationplantations.org
Andrew Heald, Director, NGPTA