
O congresso IUFRO que juntou toda a Divisão 7 (Sanidade Florestal. Patologia e Entomologia) teve lugar em Lisboa entre os dias 6 e 9 de Setembro de 2022 e contou com 350 participantes (mais 60 em remoto) provenientes de 41 países.
A sessão dedicada à Doença da Murchidão dos Pinheiros (Pine Wilt Disease – PWD) causada pelo Nemátode da Madeira do Pinheiro (NMP – Bursaphelenchus xylophilus) teve uma participação muito significativa com 14 apresentações orais divididas em 3 subsessões e 15 pósteres.
Foram abordados quatro temas gerais:
1. Dispersão e prospeção do NMP
Decorreram mais de 100 anos desde que a Doença da Murchidão dos Pinheiros (DMP – PWD), causada pelo NMP chegou ao Japão, primeira ocorrência na região sudoeste, tendo-se posteriormente dispersado pelo país até atingir os climas mais frios e zonas de maior altitude. Nas zonas onde a doença já se encontra há mais tempo, os pinheiros nativos (Pinus thunbergii e P. densiflora) foram quase totalmente exterminados, com fortes consequências económicas na indústria de madeira e outras atividades, tais como a produção de cogumelos. A morte dos pinheiros teve ainda impacto na proteção contra o vento, preservação dos solos e na paisagem tradicional japonesa.
A deteção do NMP na República da Coreia do Sul ocorreu há mais de 30 anos, quando, em 1988, foram encontrados pouco exemplares num pequeno número de pinheiros, nas montanhas perto de Busan. Agora, em 2022, a DMP já foi reportada em 135 distritos, concelhos ou cidades. O número de pinheiros infestados (principalmente P. thunbergii e P. densiflora) oscilou ao longo do tempo tendo ultrapassado os 2 milhões em 2014. Em 2021 as novas infestações decresceram para 390,000, mas na última época de prospeção, voltaram a aumentar em cerca de 22.6%.
Durante estes 30 anos a investigação e a prospeção evoluíram consideravelmente. A metodologia “NFC electronic tags” é utilizada para regiões onde a prospeção no terreno não é efetuada, tendo sido implementado o sistema de registo com códigos QR para a monitorização e diagnóstico da presença do NMP nos pinheiros mortos, permitindo a verificação da informação em “tempo-real” e a sua utilização nas medidas de gestão da floresta.
A sequenciação do genoma das populações de NMP da Coreia revelou uma estrutura extremamente estratificada, composta por duas linhagens principais que apresentam uma diversidade genética muito limitada, parecendo estar relacionadas com introduções independentes.
Em 1999, o NMP foi detetado em Portugal em pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e nos 20 anos subsequentes milhares de pinheiros foram mortos anualmente, apesar dos esforços da Autoridade Florestal Nacional (agora ICNF), que seguiram as diretrizes da Comissão Europeia (Commission Implementing Decision 2012/535/EU). Durante os últimos 11 anos mais de 83,500 amostras compostas de madeira provenientes de pinheiros com sintomas de declínio foram analisadas, tendo-se registado uma taxa de 8% de resultados positivos quanto à presença do NMP, sendo que nenhuma das deteções positivas se encontravam na Zona Tampão de 20 km definida ao longo da fronteira com Espanha. As ações para a contenção da doença já levaram ao abate de 18 milhões de pinheiros no território continental de Portugal (2.9 milhões na Zona Tampão) e à captura de cerca de 43,000 insetos-vetores (Monochamus galloprovincialis) nas armadilhas multifunil instaladas com atrativo. Um novo foco da doença foi detetado em 2009 na ilha da Madeira e em outubro de 2008 ocorreu a primeira deteção em território espanhol. Este foco foi declarado erradicado em 2013 mas posteriormente novos focos foram encontrados em Cáceres, As Neves, Valverde del Fresno, Sancti-Spiritus e Lagunilla (sendo este último o mais afastado da fronteira com Portugal, cerca de 70 km).
Na América do Norte, onde o NMP é nativo causando danos muito limitados nos pinheiros autóctones, foi detetado pela primeira vez em madeira de Pinus palustris, no estado do Louisiana. Nos últimos 10 anos, a aplicação de regulamentação mais rigorosa sobre o NMP levou à análise de grande número de amostras de madeira na Divisão Agronómica do Departamento de Agricultura da Carolina do Norte (Agronomic Division of the North Carolina Department of Agriculture & Consumer Services). Entre 2012 e 2022, foram analisadas 67,135 amostras de madeira de pinheiro e emitidos 7,462 certificados fitossanitários (USDA/APHIS/PPQ), para exportação de madeira. Apenas em 2.15% das amostras foram detetadas pequenas quantidades de NMP.
A deteção de NMP em amostras de madeira é realizada pelo método de extração pelo funil de Baermann ou outra modificação (como o método do tabuleiro) sendo recomendadas 24 ou 48 horas. Um estudo apresentado determinou que a exposição de 24h à temperatura de 25ºC permitiu a obtenção de cerca de 80% dos nemátodes presentes na madeira.
2. Dinâmica e dispersão da Doença da Murchidão dos Pinheiros
Recentemente foi registada a mortalidade de pinheiros nativos dos Estados Unidos da América (P. ponderosa) associada à infeção pelo NMP, no estado do Colorado. A prospeção efetuada nos últimos anos de pinheiros com sintomas e de insetos cerambicídeos (Monochamus clamator e M. scutellatus) capturados em armadilhas, na floresta e em ambiente urbano, permitiu a determinação do período de voo dos insetos e das taxas de infestação pelo NMP de 3.6% das amostras de madeira e 4.2% dos insetos. Foi pela primeira vez registada a associação do NMP com M. clamator nos EUA.
Até recentemente foi assumido que nas condições climáticas de Portugal, os pinheiros infestados naturalmente pelo NMP desenvolveriam sintomas visuais (amarelecimento da copa) ainda no mesmo ano. Todavia, permanecia alguma incerteza quanto à possibilidade de ocorrer latência (pinheiros infestados sem desenvolverem sintomas). Para avaliar a probabilidade de ocorrência de latência nos sintomas da infestação por NMP, foi desenvolvido um modelo matemático (ETpN) que definiu 3 regiões para Portugal; surgimento de sintomas no ano de infestação (murchidão); sintomas no ano seguinte à infestação (latência); ausência de sintomas visuais (sem murchidão).
Um ensaio de campo foi realizado em três pinhais representativos das regiões climáticas definidas pelo modelo (ETpN), entre os meses de junho e novembro, com a inoculação de cinco pinheiros saudáveis com 10.000 NMP, no tronco abaixo da copa, com o recurso ao equipamento Arbojet Quick-Jet.
Os pinheiros inoculados foram abatidos duas semanas após detecção visual dos sintomas de murchidão e a madeira amostrada para deteção da presença do NMP. No final do ensaio todos os pinheiros inoculados remanescentes foram também abatidos e amostrados. Foram efetivamente observados casos de latência na região respetiva, mas na região onde era previsto não ocorrer qualquer sintoma, as condições climáticas prevalecentes não eram compatíveis pelo que os pinheiros desenvolveram sintomas de murchidão no ano da inoculação.
Uma vez que a dispersão natural da doença da murchidão dos pinheiros está dependente do voo dos insetos-vetores, para definição de estratégias para a proteção dos pinhais, foi estudado o período, a capacidade e a velocidade de voo de M. saltuarius e M. alternatus (insetos-vetores da Coreia), com recurso a moinhos-de-voo. Para M. saltuarius a distância média de voo por sessão foi de 0.43km para as fêmeas e de 0.50km para os machos. A distância percorrida durante toda a sua vida foi de 1.93km (máximo de 5.21km) para as fêmeas e de 2.71km (máximo de 5.73km) para os machos. No que respeita a M. alternatos a distância média percorrida por sessão foi de 1.53km para as fêmeas e 2.05km para os machos e no total da vida foi de 6.64km (máximo de 15.35km) para as fêmeas e 9.89km (máximo de 29.01km) para os machos.
Tendo em atenção esta grande capacidade de voo dos insetos-vetores do NMP, a dispersão natural da doença foi avaliada ao longo de um transepto com 100m de largura e 6km de extensão delimitado numa mancha contínua de pinheiro-bravo (P. pinaster), na região centro de Portugal, com o seu início na localização de um pinheiro infestados pelo NMP em 2018, numa freguesia até então isenta da doença da murchidão dos pinheiros. Durante os anos de 2019 e 2020, entre os meses de Maio e Outubro, foram colocadas ao longo do transepto 30 armadilhas multifunil com o atrativo Galloprotect 2D-plus, colocadas aos pares (distando 50m entre elas). Todos os M. galloprovincialis capturados foram contabilizados e avaliou-se em laboratório se transportavam NMP. Nos Invernos de 2019/20 e 2020/21 o transepto foi percorrido e todos os pinheiros que exibiam sintomas de declínio foram abatidos e analisados para a presença do NMP. Na prospeção de 2019/20 foram detetados 65 pinheiros em declínio dos quais apenas dois estavam contaminados pelo NMP estando ambos localizados a menos de 100m do foco inicial.
No entanto, no inverno de 2020/21 já foram encontrados 104 pinheiros em declínio ou mortos, dos quais dez estavam infestados pelo NMP. Estes pinheiros mortos foram encontrados distribuídos ao longo de todo o transepto e alguns dos pinheiros infestados encontravam-se na zona final. Paralelamente, dos 510 M. galloprovincialis capturados nas armadilhas durante 2020, 35 transportavam NMP, tendo quarto sido capturados nas armadilhas colocadas mais longe do ponto inicial do transepto.
Assim, no espaço de um ano (entre 2020 e 2021) os insetos-vetores dispersaram rapidamente a doença da murchidão ao longo dos 6km do transepto, tendo alguns transportado o NMP (6.4%).
Outro estudo apresentado, realizado em França, focou-se na quantificação da dispersão do inseto-vetor (M. galloprovincialis) através da conetividade genética das populações numa paisagem homogénea de pinheiro-bravo e noutra heterogénea composta por povoamentos de pinheiro e de folhosas. O estudo envolveu a captura de insetos em armadilhas iscadas com atrativos, tendo a maior parte das deslocações ocorrido entre setores geográficos, sugerindo longas deslocações.
3. Interações entre árvores hospedeiras – NMP – outros microorganismos
O NMP utiliza o estilete para perfurar as paredes celulares e libertar enzimas hidrolíticas para atuar contra os glicanos constituintes das paredes. Espécies de pinheiros consideradas muito (P. pinaster) e pouco suscetíveis à doença da murchidão foram inoculadas com NMP e avaliou-se a progressão da doença, em condições controladas de temperatura do ar e humidade do solo.
As paredes celulares das plantas inoculadas foram caracterizadas com recurso a técnicas de espectroscopia vibracional tendo os dados preliminares revelado diferenças significativas entre a composição das paredes celulares de pinheiros-bravos inoculados e testemunha (não-inoculados), sendo que os compostos fenólicos são aparentemente utilizados como resposta defensiva dos pinheiros à inoculação.
A interação interespecífica entre o NMP e outros microrganismos simbiontes parece ter um papel na promoção da invasão e da sua patogenicidade. Sinais moleculares e químicos influenciam positivamente a sobrevivência, reprodução e dispersão do NMP. Por outro lado, a caracterização da dinâmica das interações entre o NMP e os fungos (utilizando diferentes abordagens com especial enfase à análise meta-genómica) poderá permitir compreender o seu papel no desenvolvimento da doença e poderá fornecer pistas para quebrar o ciclo infecioso. Com efeito, a diversidade e estrutura da comunidade fúngica no pinheiro-bravo varia consoante o avanço da doença da murchidão, sugerindo que a presença do NMP afeta a comunidade de fungos endófitos. Diferenças nas comunidades fúngicas da árvore hospedeira e do NMP foram detetadas tendo os Ophiostomatales sido apenas encontrados em P. pinaster infestados.
4. Meios de controlo e estratégias de gestão da Doença da Murchidão dos Pinheiros
A estratégia do corte-raso, geralmente implementada após a deteção de novos focos da doença da murchidão dos pinheiros em zonas anteriormente isentas, foi comparada com a estratégia de corte seletivos das árvores mortas ou com sintomas. Esta última estratégia, combinada com uma prospeção intensiva, revelou ser mais benéfica para o controlo da doença em termos de custo-eficácia.
No Japão, o controlo da doença tem sido baseado na destruição dos pinheiros infestados, conjugada com a pulverização preventiva com inseticida e injeção no tronco dos pinheiros saudáveis com nematodicida, abordagens com elevados custos e confrontadas com as crescentes restrições ao uso de pesticidas. Assim, atualmente os esforços concentram-se em novas plantações com clones mais resistentes à doença.
Diferentes proveniências de P. pinaster (portuguesas, espanholas, francesas e marroquinas) foram testadas quanto à suscetibilidade ao NMP, em dois viveiros, sendo um pertencente ao programa oficial da Galiza (Espanha) e outro localizado nas Landes (França). Foram obtidas diferenças significativas entre proveniências e viveiros quanto à sobrevivência, desenvolvimento de sintomas visuais, alterações morfológicas dos pinheiros e as densidades das populações de NMP. Foi possível definir um padrão geográfico sendo as proveniências originárias do Sudoeste da Península Ibérica mais resistentes à doença da murchidão.
A eficácia de diferentes formulações de Benzoato de emamectina contra o NMP foi avaliada em 16 locais da Coreia do Sul. As concentrações mais elevadas, (0.258 μg/ml) foram mais eficazes na supressão da reprodução do NMP, apedar de se terem verificado variações significativas na toxicidade sub-letal, que poderão estar relacionadas com os ingredientes inertes utilizados nas diferentes formulações pelos diferentes produtores.
Apesar de muito eficaz, o controlo químico geralmente utiliza compostos químicos sintéticos muito agressivos e com efeitos adversos para os ecossistemas florestais e até para a saúde humana. Um esforço muito significativo tem sido feito para encontrar produtos mais sustentáveis para luta química contra o NMP baseados em extratos voláteis de produtos naturais, provenientes de plantas ou fungos. Os óleos essenciais são misturas complexas de voláteis, principalmente extraídos por hidrodestilação de plantas aromáticas apresentam propriedades medicinais que podem revelar-se tóxicos para o NMP, sendo contudo seguros para a árvore-hospedeira e reduzido impacto no ambiente. De entre os testados, o ácido undecanóico revelou forte atividade contra o NMP atingindo eficácia sub-letal (EC50) com a concentração 0.06 μg/ml, enquanto o ácido decanóico necessitou de uma maior concentração (0.13 μg/ml) para o mesmo efeito. Os próximos passos na investigação permitirão determinar o potencial de ácidos saturados de cadeia média.
Outra linha de investigação para o desenvolvimento de biopesticidas a serem integrados em estratégias sustentáveis para a gestão da doença da murchidão dos pinheiros. Estes estudos estão a ser desenvolvidos em Portugal onde a procura de antagonistas revelou que os fungos nematófagos, Esteya vermicola e E. floridanum, produziram resultados preliminares muito promissores. Estes resultados estão em linha com os efeitos protetivos resultantes da inoculação de E. vermicola coreana (G810) em pinheiros de grandes dimensões efetuada nos Montes Wora (Coreia do Sul) e na província de Kwangdong (China), com taxas de sobrevivência a rondar os 50% e 60%, respetivamente.
Estudos in-vitro realizados em Espanha com outras oito espécies de fungos com potencial nematófago revelaram que várias espécies de Beauveria (B. bassiana e B. pseudobassiana) e Trichoderma citrinoviridae não só suprimiram a reprodução de B. xylophilus como revelaram efeitos letais.
Luís Bonifácio & Edmundo Sousa
Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P. (INIAV), Av. da República, Quinta do Marquês, 2780-157 Oeiras, Portugal. Luis.bonifacio@iniav.pt; GREEN-IT Bioresources for Sustainability, ITQB NOVA, Av. da República, 2780-157 Oeiras, Portugal
Luís Bonifácio é o coordenador do Grupo de Trabalho da IUFRO (international Union of Forest Research Organizations) dedicado à doença da murchidão dos pinheiros (Pine Wilt Disease – 7.02.10).
https://www.iufro.org/science/divisions/division-7/70000/70200/70210/